23 abril 2008

Reality show mórbido

Recado de Isabella

Minha geração de jornalistas, em geral, ressente-se de um complexo de inferioridade. Em parte porque há uma sacralização, a meu ver excessiva, das redações que desafiaram a ditadura. Admiro a perseverança de colegas que punham jornais na rua mesmo vigiados por censores truculentos e semi-analfabetos. Porém, até pelas circunstâncias, o jornalismo feito por eles peca por panfletário, maniqueísta e, fenômeno recente, muitíssimo oneroso à sociedade. Vide as indenizações de mais de R$ 1 milhão e as pensões vitalícias concedidas pela Justiça a Jaguar e Ziraldo, pelos dissabores vividos enquanto publicavam O Pasquim. A veterana dupla fez da lida com a censura um plano de aposentadoria complementar.

A turma que sucedeu esses senhores agora milionários, ao contrário do que supõe o pedantismo romântico, patrocinou uma evolução do jornalismo. Fomos nós quem descemos da tribuna, de onde despejávamos conteúdos sobre receptores inertes, e convidamos o público a interferir na produção da notícia. A participação tende a se consolidar ainda mais com as possibilidades de interação proporcionadas pela internet. É um caminho sem volta, que foi aberto por esta geração. O próximo passo, indica a cobertura do assassinato da menina Isabella Nardoni, é encontrarmos uma forma de troca menos visceral.

Na condição de jornalista provinciano, não sei até que ponto os excessos do Caso Isabella são evitáveis. O público suplica por informações, mesmo a quilômetros de distância dos acontecimentos. As pesquisas feitas pela central de atendimento ao assinante aqui do Santa colocam o Caso Isabella como líder de interesse em abril. Supera até reportagens socialmente responsáveis, daquelas que pedimos na frente dos outros, mas, no íntimo, temos pouca paciência para ler.

Ao dialogar com o público no Caso Isabella, a mídia alimenta os baixos instintos e a curiosidade mórbida. Também estimula exageros dos selvagens desocupados que rondam a casa dos Nardoni ameaçando linchar os suspeitos. Eis algo de doentio nesta relação de simbiose. Quem aponta um caminho, pelo menos filosófico, é Carlos Eduardo Lins da Silva, empossado ontem ombudsman da Folha de S.Paulo:

- O jornalismo sério tem de atender a demanda do público, mas tem também de liderar. Até para ajudar o público a melhorar a qualidade desses desejos.

Vejamos então quem terá a coragem de interromper o folhetim.

Autor: Fabrício Cardoso - 23/04/08 - JSC

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Será que a nossa sociedade está doente ou este é nosso instinto, mas sempre procuramos escondê-lo?
Qual é papel da imprensa na sociedade? Ela está cumprindo o seu dever?
Será que faltam boas pautas, boas mentes, bons jornalistas, bons leitores, bons espectadores...?
São milhares de perguntas que me invadem... Até que ponto quero fazer parte disso tudo?

"Só sei, que nada sei". Sócrates

Um comentário:

Fábio Ricardo disse...

Acho que Sócrates era jornalista. Mas esse BBB de Isabella tá fedendo e muito. Não vejo a hora de acabar. Acho que foi pensando nisso que o padra suicidade(quer dizer, balonista) preparou seu show. Como não funcionou, até a terra tremeu. Qualqer coisa pra terminar com essa novela.

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